Sofia Loren e Mastroianni: A química da dupla que personificou a alma do cinema italiano

Se o cinema italiano tivesse um rosto, ou melhor, dois, seriam os de Sophia Loren e Marcello Mastroianni. Quando eles apareciam juntos na tela, algo mágico acontecia. Não era apenas atuação, era uma química tão perfeita que parecia que eles representavam os dois lados da própria Itália: a paixão e a dúvida, o coração e a mente, o caos e a elegância.

Eles fizeram mais de uma dúzia de filmes juntos e se tornaram o casal mais icônico do cinema italiano, a personificação de sua alma. O segredo da química entre eles estava no contraste. Eles eram como o dia e a noite, e por isso se completavam tão bem.

Sophia Loren era o fogo, uma força da natureza. Em seus papéis, ela era a mulher passional, de temperamento forte, com os pés no chão. Representava a Itália do sul, popular, barulhenta, cheia de vida e de sentimentos à flor da pele. Ela não tinha medo de chorar, de gritar, de amar e de lutar pelo que queria com uma garra impressionante. Era o coração, a paixão em pessoa.

Marcello Mastroianni, por outro lado, era a calma, por vezes até a confusão. Era o homem charmoso, elegante, mas quase sempre com um ar cansado, um olhar melancólico e uma certa preguiça de viver. Basicamente, representava o italiano moderno, urbano, cheio de dúvidas, preso entre seus desejos e suas responsabilidades.

Quando esses dois mundos colidiam na tela, o resultado era elétrico. As brigas eram hilárias, as reconciliações eram emocionantes e as cenas de amor eram de uma cumplicidade única. A parceria deles não era só sobre romance, mas seus filmes eram um retrato da sociedade italiana, muitas vezes misturando comédia e drama.

Três dos meus favoritos

  • “Matrimônio à Italiana” (1964), de Vittorio de Sica: Talvez o filme que melhor resume a dupla. Sophia é Filumena, uma prostituta que por décadas é amante de Domenico (Marcello), um empresário rico e egoísta que se recusa a casar com ela. O filme é a longa e barulhenta batalha dela por dignidade e por um lugar na família. Ela usa de toda a sua paixão e esperteza. Ele, de toda a sua covardia e charme para escapar. É engraçado, comovente e uma crítica social poderosa sobre o papel da mulher e a hipocrisia da sociedade.

  • “Ontem, Hoje e Amanhã” (1963), de Vittorio de Sica: Este filme (que, inclusive, ganhou um Oscar) é uma vitrine do talento da dupla. São três histórias diferentes em três cidades italianas. Em uma delas, acontece a cena mais famosa da parceria: Sophia faz um strip-tease sensual e desajeitado para um Marcello hipnotizado. A cena mostra perfeitamente a dinâmica deles: o poder feminino e sensual dela e o encanto quase infantil dele.

  • “Um Dia Muito Especial” (1977), de Ettore Scola: Aqui, eles mostraram que a química ia muito além da comédia romântica. Sophia é uma dona de casa solitária e oprimida e Marcello é um radialista homossexual perseguido pelo regime fascista de Mussolini. O filme se passa no dia em que Hitler visita Roma. Enquanto a cidade inteira celebra o evento, esses dois vizinhos excluídos encontram um no outro um momento de afeto e compreensão. É um filme delicado e triste, que prova que a conexão deles era sobre uma profunda humanidade compartilhada.

Sophia e Marcello representavam as contradições do seu país. A Itália da tradição, da família e da paixão (Sophia) em conflito e em romance com a Itália moderna, cínica e cheia de ansiedades (Marcello). Eles conseguiam ser engraçados e trágicos na mesma cena, exatamente como a Commedia all’italiana pedia. O público se via neles: via suas próprias brigas de casal, suas esperanças, suas falhas e o jeito italiano de encarar a vida, com drama, humor e, no fim das contas, muito coração.

Por mais de 30 anos, eles foram os embaixadores do cinema italiano para o mundo. Uma dupla inesquecível que não estava apenas atuando. Na verdade, eles estavam nos mostrando, filme após filme, o que significava ser italiano. E nós conseguimos sentir quão belo deve ser.

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