“Por um Destino Insólito”: A Guerra dos Sexos e a sátira política na Ilha Deserta de Lina Wertmüller

Lina Wertmüller não nos convida a uma ilha deserta para falar de amor, mas para conduzir uma autópsia selvagem das relações de poder.

Em “Por um Destino Insólito” (1974), o naufrágio que isola uma arrogante milionária capitalista e um rude marinheiro comunista é o ponto de partida para um dos mais ferozes e controversos experimentos sociais do cinema. A ilha se torna um laboratório onde a guerra dos sexos é, na verdade, a roupagem de uma sátira política mordaz sobre a luta de classes na Itália dos anos 70. Nós somos confrontados com uma farsa grotesca e provocadora que usa o desejo e a dominação para questionar se uma verdadeira revolução é sequer possível.

No iate luxuoso que serve como palco para o primeiro ato, nós vemos a sociedade em seu estado “natural”.

Raffaella, interpretada com uma perfeição glacial por Mariangela Melato, é a personificação da burguesia decadente, destilando um desprezo casual e cruel por tudo que considera inferior. Do outro lado está Gennarino, vivido por um Giancarlo Giannini em seu auge, o proletário do sul da Itália, orgulhoso, machista e fervendo de um ódio de classe que ele é forçado a engolir. As trocas de farpas entre eles não são apenas um conflito pessoal, são o eco da polarização política que rasgava a Itália, um microcosmo de ressentimento contido pelas frágeis regras da civilização.

Quando o destino, de forma insólita, os joga em uma ilha deserta, essas regras evaporam. O dinheiro e o status social de Raffaella se tornam inúteis, enquanto as habilidades práticas de sobrevivência de Gennarino o coroam como o novo mestre absoluto. A inversão de poder é imediata e brutal. Ele não busca uma parceria igualitária, ele busca vingança. Nós o vemos forçando Raffaella a se submeter, humilhando-a e revertendo cada uma das microagressões que sofreu no iate.

A revolução de Gennarino é primal e pessoal, uma fantasia de dominação que espelha a própria lógica opressora que ele sempre combateu.

É nesse terreno que o filme entra em sua mais notória e debatida fase. A relação de mestre e escrava lentamente se transforma em uma forma de romance sadomasoquista. Raffaella, após ser “domada”, parece encontrar uma libertação perversa em sua submissão, apaixonando-se por seu captor. Wertmüller foi duramente criticada por essa virada, acusada de endossar uma fantasia misógina.

Contudo, nós somos forçados a enxergar a alegoria política. O “amor” que floresce na ilha não é puro, é patológico, um sintoma da doença social. É a sugestão cínica de que a única maneira que a burguesia e o proletariado conseguem se relacionar intimamente é através de uma dinâmica de poder violenta, uma codependência doentia.

O final pessimista confirma a tese de Wertmüller. Ao serem resgatados, a utopia selvagem da ilha se desintegra instantaneamente. De volta à civilização, as estruturas de poder originais se reafirmam com uma força implacável, e a promessa de um novo começo se revela uma ilusão. “Por um Destino Insólito” é uma sátira furiosa que se recusa a oferecer conforto ou esperança.

A diretora usa a guerra dos sexos como um espelho para as neuroses da luta de classes, concluindo amargamente que, no fim, a revolução é impossível, tragada pela maré de um mundo que não pode ser reinventado.

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