Imagine um artista que era, ao mesmo tempo, um poeta sensível e um crítico social furioso. Alguém que não tinha religião, mas era fascinado pela figura de Jesus. Um homem que defendia os pobres e marginalizados com unhas e dentes. Esse foi Pier Paolo Pasolini, um dos cineastas mais importantes e polêmicos da Itália. Seus filmes são um campo de batalha de ideias, misturando religião com a vida nas ruas, e poesia com uma forte crítica política.
A relação de Pasolini com a religião era muito particular. Mesmo sendo ateu e um crítico da Igreja, ele via algo de sagrado e puro na história de Cristo. Para ele, Jesus não era uma figura divina distante, mas sim um rebelde que andava com os pobres e lutava contra a hipocrisia dos poderosos.
Isso fica muito claro em seu filme “O Evangelho Segundo São Mateus” (1964). Ele conta a história de Jesus de uma forma simples e direta, quase como um documentário. Usou pessoas comuns, não atores famosos e filmou em vilarejos pobres da Itália para mostrar que a mensagem de Cristo era para os humildes.
Ao mesmo tempo, Pasolini apontava sua câmera para o que a sociedade considerava “profano” ou sujo: a vida nas periferias de Roma. Em seu primeiro filme, “Accattone” (1961), ele conta a história de um cafetão. Mas, em vez de julgá-lo, Pasolini o filma com uma espécie de respeito, como se a sua luta trágica pela sobrevivência tivesse uma beleza própria. Para ele a verdadeira sujeira não estava na pobreza ou no pecado das ruas, mas na falsidade e no vazio da vida burguesa e consumista.
Antes de fazer filmes Pasolini era um poeta famoso. E ele levou esse dom para o cinema. Seus filmes não contam histórias da maneira tradicional, mas são como poemas visuais, que nos atingem pela força de suas imagens.
Ele gostava de filmar os rostos de pessoas comuns, mostrando suas rugas e expressões como se fossem obras de arte, muitas vezes paradas e solenes, lembrando pinturas antigas. Essa era a sua poesia de cinema.
Mas essa poesia não era apenas para ser bonita, ela tinha um objetivo político. Ao filmar um camponês pobre com a mesma dignidade de um rei, Pasolini estava dizendo que aquela vida importava. Ele usava sua arte para defender os pobres e criticar a sociedade de consumo, que, segundo ele, estava destruindo as culturas locais e transformando todo mundo em um consumidor igual e sem alma. Ele era um marxista, mas um marxista diferente, que sentia saudade de um mundo mais simples e autêntico.
No início dos anos 70, Pasolini fez a “Trilogia da Vida”, uma série de filmes que celebrava o sexo de uma forma alegre e natural, como uma festa dos corpos. Ele queria mostrar uma sexualidade livre, antes que ela fosse reprimida pela religião e pelo moralismo burguês.
Pasolini se desiludiu profundamente. Percebeu que a mesma liberdade sexual que ele celebrava estava sendo transformada em um produto pela publicidade e pela indústria cultural. O sexo estava virando mais uma coisa para se vender e consumir.
Sua resposta a isso foi seu último e mais chocante filme: “Salò, ou os 120 Dias de Sodoma” (1975). É um filme extremamente perturbador, que usa o sexo não como alegria, mas como uma ferramenta de tortura e poder. É a sua visão mais pessimista, um grito de alerta mostrando como o poder absoluto e o dinheiro podem destruir completamente a humanidade.
De forma geral, Pier Paolo Pasolini foi um artista corajoso que não tinha medo de mexer em feridas. Ele misturou o sagrado e o profano para mostrar a beleza escondida nos marginalizados. Usou a linguagem da poesia para fazer críticas políticas afiadas. Seus filmes continuam importantes porque nos forçam a encarar as contradições da nossa própria sociedade.