“O Conformista”: A arquitetura fascista como prisão da alma no cinema de Bernardo Bertolucci

Para entender o protagonista de “O Conformista” (1970), nós não precisamos apenas olhar para seu rosto, mas para as salas monumentais e os corredores vazios que ele atravessa.

No cinema de Bernardo Bertolucci, a arquitetura nunca é um mero cenário, ela é a ideologia tornada física, a manifestação concreta do estado de espírito de seus personagens. E em nenhum outro filme isso é mais verdadeiro. A busca desesperada do personagem Marcello Clerici pela normalidade o leva a se abrigar sob a estética do fascismo italiano, e Bertolucci nos mostra como as linhas retas, o mármore gelado e a grandiosidade opressora desses espaços se tornam a própria geografia de uma alma aprisionada.

Marcello não abraça o fascismo por convicção política, mas por um desejo patológico de desaparecer.

Ele anseia por uma vida sem desvios, uma existência tão linear e previsível quanto os edifícios do poder que ele passa a frequentar. Traumatizado por um evento da infância que o marcou como “anormal”, ele constrói para si uma vida de fachada, com um emprego burocrático, uma esposa medíocre e a filiação ao partido. Ele acredita que ao se tornar uma peça insignificante na engrenagem monumental do Estado, ele poderá finalmente apagar suas particularidades, suas culpas e seus desejos.

O que ele busca é a ordem asfixiante da conformidade, e a arquitetura do filme é o espelho perfeito para essa busca.

Com a ajuda da cinematografia genial de Vittorio Storaro, Bertolucci esmaga seu protagonista sob o peso dos ambientes. Nós vemos Marcello diminuído em salas gigantescas e desumanas, cujos tetos parecem estar a quilômetros de altura. Ele caminha por corredores que se estendem como sentenças de prisão, frequentemente fatiado por listras de luz e sombra que vazam por persianas, criando grades que o enjaulam visualmente. Os espaços fascistas são simétricos, frios e impessoais, projetados para glorificar o Estado e anular o indivíduo.

Eles são a promessa de ordem de Marcello tornada realidade, uma prisão de mármore que ele escolheu para si e que reflete perfeitamente seu próprio vazio interior.

Essa estética da opressão é contrastada de forma brilhante com os cenários de Paris. A capital francesa representa tudo que Marcello teme e secretamente deseja, um mundo de caos, sensualidade e liberdade intelectual. O apartamento de seu antigo professor, o alvo que ele deve eliminar, é o oposto exato dos edifícios fascistas. É um lugar cheio de livros, de calor, de desordem e de vida. É lá que ele encontra a liberdade encarnada nas figuras do professor e de sua esposa. Contudo, Marcello é um prisioneiro que tem medo de sair da cela. Ele recua diante da complexidade da vida real e se refugia novamente na missão que lhe foi dada, na pureza brutal de uma ordem que exige obediência e elimina tudo que é diferente.

Ao final, nós compreendemos que a tragédia de Marcello é ter conseguido exatamente o que queria.

Ele se entregou à rigidez de uma ideologia que se manifestava em prédios colossais e impiedosos para se proteger de si mesmo. Bertolucci nos oferece uma lição poderosa. A maior perversidade do fascismo não está apenas em sua violência explícita, mas em seu poder de sedução estética, em sua promessa de ordem que serve apenas para construir prisões para a alma.

Marcello Clerici não é apenas um homem que se torna fascista, ele é um homem cuja paisagem interna já era um projeto arquitetônico totalitário, apenas esperando pelos prédios certos para habitá-lo.

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