“O Bandido da Luz Vermelha”: O pop tropicalista que explodiu a narrativa policial e inventou o Cinema Marginal

Em 1968, enquanto o Brasil mergulhava na escuridão de seu mais duro ano de ditadura, o cinema de Rogério Sganzerla acendia um sinal de alerta, não vermelho de perigo, mas de um deboche anárquico e colorido.

“O Bandido da Luz Vermelha” não é um filme, é uma colisão, um ato de terrorismo cinematográfico que pegou a história real de um criminoso de São Paulo e a usou como pretexto para explodir a narrativa policial e todas as convenções do bom gosto. Nós somos jogados em um liquidificador de referências pop, filosofia barata e caos urbano que deu à luz o Cinema Marginal, oferecendo o espelho mais radical e desesperado para um país à beira do abismo.

Sganzerla demole completamente a estrutura do filme de gênero.

A história do bandido que assalta mansões na Boca do Lixo é constantemente interrompida, subvertida e ridicularizada por um narrador onipresente, que soa como um radialista sensacionalista misturado com um profeta do apocalipse. Ele nos bombardeia com informações contraditórias, citações filosóficas e slogans publicitários, garantindo que nós nunca possamos nos sentir confortáveis ou imersos na trama. A montagem estilhaçada, a cacofonia de músicas que vão de jingles a clássicos, e o uso de letreiros de histórias em quadrinhos destroem qualquer possibilidade de realismo. O objetivo não é contar uma história, mas nos fazer sentir o caos de uma nação.

Essa estética é a tradução perfeita do Tropicalismo para o cinema. Sganzerla devora e regurgita tudo, sem hierarquia.

O filme é uma colagem de “lixo” cultural, misturando a iconografia dos filmes de gângster de Hollywood, a precariedade da produção nacional, o teatro do absurdo e a linguagem da publicidade. Ele não tenta criar uma arte “pura” ou “autêntica”, mas assume a condição de um país do terceiro mundo, um receptor de detritos culturais do primeiro mundo, e transforma essa contaminação em sua principal arma estética. Nós vemos a São Paulo de Sganzerla como uma selva de signos, uma metrópole do subdesenvolvimento onde tudo acontece ao mesmo tempo e nada faz sentido.

Dentro dessa desordem, nasce um novo tipo de herói, ou melhor, de anti-herói. O Bandido da Luz Vermelha não é o revolucionário idealista do Cinema Novo, nem o bandido social com um código de honra.

Ele é uma figura patética, um ator em seu próprio drama ridículo, um sintoma de uma sociedade doente. Sua famosa filosofia, “a gente está no terceiro mundo, quem não rouba não come”, não é um chamado à revolução, mas uma constatação cínica e desesperada. Ele é a encarnação do marginal, um indivíduo cuja única resposta possível à loucura do sistema é uma loucura ainda maior, uma rebelião individualista, performática e, em última análise, fadada ao fracasso.

“O Bandido da Luz Vermelha” é o grande manifesto do Cinema Marginal porque transformou a precariedade em potência e o caos em discurso. No momento em que o regime militar impunha a ordem pela força, o filme de Sganzerla celebrava a desordem como a única verdade possível. Ele não ofereceu um projeto de nação, mas a crônica de seu delírio.

Ao inventar uma linguagem cinematográfica para o Brasil que não se encaixava nos cartões-postais nem nos panfletos políticos, Sganzerla não apenas explodiu um gênero, mas abriu uma ferida na tela que, de certa forma, nunca mais cicatrizou.

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