Nelson Pereira dos Santos: O pai (e a Consciência Crítica) de todo o movimento

Todo grande movimento artístico precisa de uma faísca, de alguém que dê o primeiro passo e mostre que um novo caminho é possível. Para o Cinema Novo, a mais importante revolução do cinema brasileiro, essa figura fundamental foi Nelson Pereira dos Santos.

Ele não foi apenas o pai que deu o pontapé inicial em tudo, mas também se consolidou como a consciência crítica do movimento, a voz que sempre manteve a honestidade intelectual e a complexidade em um tempo de discursos fáceis e radicais.

Seu papel como o pai do Cinema Novo é inquestionável e pode ser localizado em um filme específico, “Rio, 40 Graus” (1955).

Muito antes do lema “uma câmera na mão e uma ideia na cabeça” se tornar famoso, Nelson já o colocava em prática. Naquela época, o cinema brasileiro era dominado por comédias de estúdio que imitavam o modelo de Hollywood. Ele quebrou radicalmente com isso.

Nelson pegou sua câmera e foi para as ruas, para as praias e, o mais importante, para os morros do Rio de Janeiro. Ao contar a história de um dia na vida de vendedores de amendoim de uma favela, ele expôs o brutal contraste social da “cidade maravilhosa”. Pela primeira vez, o Brasil real, com sua pobreza e sua vitalidade, era o protagonista.

Esse ato de filmar o povo em seu ambiente foi o gesto fundador que inspirou toda uma geração de cineastas, como Glauber Rocha, a buscar um cinema autenticamente brasileiro.

Contudo, ser apenas o pioneiro não definiria a sua grandeza. Nelson Pereira dos Santos se tornou também a consciência crítica do movimento.

Enquanto alguns de seus colegas optavam por um cinema de fúria e discursos revolucionários, os filmes de Nelson preferiam as perguntas difíceis às respostas prontas. Sua obra-prima, “Vidas Secas” (1963), é o maior exemplo disso. Baseado no livro de Graciliano Ramos, o filme é um retrato seco, quase silencioso e profundamente doloroso da opressão. Nós acompanhamos a luta de uma família de retirantes no sertão, esmagada pela seca e pela injustiça de um sistema feudal. O filme não grita por revolução. Ele nos mostra, com uma clareza insuportável, a desumanização que torna a revolução uma necessidade.

É uma crítica social que reside na observação paciente da dor, não no panfleto.

Essa recusa em criar heróis e vilões fáceis marcou toda a sua carreira. Em “Como Era Gostoso o Meu Francês” (1971), feito durante o período mais duro da ditadura militar, ele usou uma história do século XVI para fazer uma crítica poderosa ao colonialismo. Mas, ao mesmo tempo, ele se recusou a romantizar os indígenas como “nobres selvagens”. O filme apresenta uma visão complexa da antropofagia como um ato de resistência cultural, mas não esconde a violência e a complexidade daquela sociedade.

Essa honestidade intelectual, essa coragem de questionar todos os lados de uma história, era a marca de sua consciência crítica.

Diferente da fúria operística de Glauber Rocha, o cinema de Nelson Pereira dos Santos era mais humanista, sereno e profundamente enraizado na literatura e na alma popular brasileira. Ele foi o pai porque abriu a trilha, mostrando que era possível fazer um cinema relevante e verdadeiro com poucos recursos. E foi a consciência crítica porque seus filmes nunca se contentaram com ideologias simplistas.

Ele passou a vida fazendo perguntas difíceis sobre o Brasil, sobre seu passado de opressão e sobre a natureza complexa de seu povo. Nelson não apenas iniciou um movimento, ele lhe deu integridade e uma alma pensante.

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