Em um mundo que frequentemente confunde barulho com força, o filme de Daniel Ribeiro nos ensina uma lição poderosa: a doçura pode ser a mais radical das revoluções.
“Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” (2014) aborda a jornada de autodescoberta de um adolescente cego e gay não com o peso do melodrama ou da tragédia, mas com uma leveza e uma ternura que se revelam como um ato de profunda afirmação política. Nós somos apresentados a uma história que recusa os clichês da vitimização para celebrar a beleza universal do primeiro amor. A revolução de Ribeiro não está no grito, mas no sussurro, na delicadeza de um gesto, na coragem de imaginar um mundo onde a identidade pode florescer sem a necessidade de uma batalha épica.
O ponto de partida do filme é o desejo universal por autonomia.
O anseio de Leonardo, nosso protagonista, de “voltar sozinho” para casa é muito mais do que uma questão de logística, é o seu grito silencioso por independência. Sua cegueira não é apresentada como uma sentença, mas como a circunstância que intensifica sua luta contra a superproteção dos pais e a dependência de sua melhor amiga, Giovana. Ao nos conectar primeiro com essa busca por espaço, o filme nos torna cúmplices de Leonardo, fazendo com que sua jornada de descoberta sexual e amorosa seja uma consequência natural de seu amadurecimento como indivíduo.
A chegada de Gabriel, o aluno novo, catalisa essa transformação e redefine o universo sensorial do filme.
Como Leonardo não pode ver, a câmera de Ribeiro nos convida a experimentar a atração de outras formas. Nós sentimos a conexão deles através da música compartilhada em um fone de ouvido, da textura de um moletom emprestado, do toque dos braços que se guiam pela rua. O romance é construído em um vocabulário de sons e toques, em uma intimidade que transcende a imagem. É uma abordagem cinematográfica que não apenas respeita a condição do personagem, mas a utiliza para explorar a descoberta do amor de uma maneira mais profunda e sensorial para todos nós.
É nessa abordagem que reside a força revolucionária do filme. Em um cinema repleto de narrativas onde personagens LGBTQIA+ ou com deficiência são definidos por seu sofrimento, “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” ousa ser feliz.
O conflito existe, o bullying na escola é real e a hesitação é palpável, mas o foco da narrativa é a alegria e a euforia da paixão correspondida. O filme normaliza o amor entre dois garotos tratando-o com a mesma dignidade, doçura e banalidade de qualquer outra história de amor adolescente. Essa escolha de focar no afeto em vez da adversidade é um ato político radical. É a insistência em retratar não apenas a luta pela aceitação, mas a beleza da própria existência.
Ao final, nós entendemos que a doçura do filme é a sua arma mais potente. “Hoje Eu Quero Voltar Sozinho” se tornou um marco do cinema brasileiro não por retratar uma realidade de dor, mas por ousar imaginar e validar uma realidade de afeto e esperança. A revolução proposta por Daniel Ribeiro é a de que a representatividade não precisa vir apenas da denúncia da opressão, mas também da celebração da vida.
O filme nos deixa com a sensação reconfortante e poderosa de que a jornada de autodescoberta, mesmo com seus obstáculos, pode e deve ser, acima de tudo, uma coisa bela.