O cinema italiano sempre soube rir das próprias desgraças, mas nenhum filme levou essa ideia a um extremo tão chocante, repulsivo e genial quanto “Feios, Sujos e Malvados” (1976). O diretor Ettore Scola, conhecido por suas crônicas melancólicas da burguesia, desce aqui ao inferno, a uma favela na periferia de Roma, para nos apresentar a um retrato de família que desafia todos os limites.
É uma comédia grotesca, um soco no estômago que nos faz rir de culpa para, no fim, nos forçar a enxergar a humanidade esquecida que a sociedade prefere varrer para debaixo do tapete.
O filme nos joga, sem qualquer preparo, dentro de um barraco imundo onde vive a gigantesca família Mazzatella. São quatro gerações de gente amontoadas em um espaço sufocante, em meio a ratos, lixo e uma miséria moral ainda maior que a material. O centro desse universo caótico é o patriarca Giacinto, interpretado de forma monstruosa e inesquecível por Nino Manfredi. Tirano, alcoólatra e com um olho só, ele guarda com violência um milhão de liras que ganhou de um seguro, enquanto sua família, com filhos, netos, noras e genros, passa os dias planejando formas de roubá-lo ou envenená-lo para botar as mãos no dinheiro.
A comédia de “Feios, Sujos e Malvados” não é feita de piadas, mas do absurdo da depravação. Scola filma o grotesco sem filtros, mostrando tentativas de assassinato durante o almoço, relações incestuosas, traições e uma falta de higiene que quase podemos sentir o cheiro. Nós rimos do plano ridículo de colocar veneno de rato na macarronada do patriarca, mas o riso engasga na garganta.
Esse humor que dói é a principal ferramenta do diretor. Ao nos fazer rir do que é horrível, ele quebra o nosso conforto e nos torna cúmplices, nos obrigando a questionar por que achamos graça em uma tragédia tão profunda.
Onde está a humanidade que o título da análise promete? É exatamente essa a pergunta que Scola quer que nós façamos.
Ao mostrar essa família como um bando de animais selvagens, ele não está zombando dos pobres. Pelo contrário, ele está apontando um dedo acusador para a sociedade que os criou. A monstruosidade da família Mazzatella é um reflexo direto da monstruosidade de um sistema (o do “milagre econômico” italiano) que produziu riqueza para alguns e deixou uma massa de esquecidos para trás, vivendo em condições sub-humanas.
Eles são feios, sujos e malvados porque foram abandonados pela política, pela Igreja e pela sociedade.
A humanidade esquecida deles não está na bondade ou na nobreza, que a miséria extrema lhes roubou. Está na sua vitalidade crua e incontrolável. Eles gritam, brigam, traem, amam de forma torta e, acima de tudo, sobrevivem. Há uma força de vida absurda naquele barraco, um instinto de perseverança que o mundo limpo e educado da burguesia talvez já tenha perdido. No meio de toda a sujeira, a vida continua explodindo, com um novo bebê nascendo na cena final, garantindo a continuidade daquele clã esquecido.
“Feios, Sujos e Malvados” é um filme difícil, que se recusa a romantizar a pobreza.
Ele a mostra como algo que degrada, que desumaniza e que transforma a luta pela vida em uma guerra de todos contra todos. Scola não nos pede para gostar da família Mazzatella. Ele apenas nos proíbe de virar o rosto.
Ao nos forçar a encarar o grotesco, ele comete um ato político, nos lembrando que essa humanidade esquecida existe e que a sua condição é a grande ferida moral da sociedade que se considera civilizada.