Enquanto muitos cineastas buscam vastas paisagens para contar suas histórias, o mestre italiano Ettore Scola preferia o caminho inverso: ele concentrava um grupo de pessoas em um único lugar e, através de suas interações, revelava a alma de uma nação inteira.
Seus filmes são movidos por uma profunda “nostalgia do encontro”, uma saudade não apenas do passado, mas da sensação de estarmos juntos, compartilhando ideias, amores e decepções em um mesmo espaço físico, mesmo que o tempo e a história nos tenham transformado por dentro. Ao manter o palco fixo, Scola evidenciava de forma brilhante as mudanças nas pessoas, mostrando como as paredes permanecem enquanto os sonhos, as ideologias e as relações humanas se alteram drasticamente com a passagem das décadas.
Essa técnica atinge um de seus ápices em “O Terraço” (1980). O filme nos convida para um jantar em um luxuoso terraço romano, onde se reúne um grupo de velhos amigos intelectuais de esquerda, agora na casa dos cinquenta anos. Na juventude eles sonharam em mudar a Itália, mas o encontro anual se tornou um ritual melancólico.
O terraço, que deveria ser um lugar aberto e arejado, se transforma em uma gaiola de ouro onde eles confrontam seus fracassos pessoais e políticos. Nas conversas cheias de ironia e ressentimento, o diretor expõe a memória coletiva de uma geração, refletindo a crise da esquerda italiana nos anos 70. As grandes esperanças do pós-guerra deram lugar a um profundo cinismo, e o encontro se torna um palco para os fantasmas dos ideais que eles sentem ter traído.
Se em “O Terraço” a palavra é a arma da desilusão, em “O Baile” (1983), Scola realiza um feito ainda mais radical e poético. Dentro de um único salão de dança, ele narra cinquenta anos de história sem usar uma única palavra de diálogo. Acompanhamos a vida daquele lugar desde a esperança da Frente Popular nos anos 30, passando pela tensão da ocupação nazista, pela alegria da libertação ao som do swing, pela rebeldia do rock’n’roll nos anos 60, até a solidão da era disco.
Os mesmos atores interpretam diferentes personagens em cada época, e a história é contada unicamente pela música, pela dança e pelos olhares. O baile se torna a memória viva da sociedade, um palco para encontros constantes onde pequenas histórias de amor e ciúme refletem as grandes transformações do lado de fora. O filme é a mais pura celebração da necessidade humana de se encontrar e se conectar, mostrando como essa força persiste através das guerras e revoluções.
O cinema de Ettore Scola nos toca tão profundamente porque ele entendeu que a história de um país não é feita apenas de grandes eventos, mas de milhões de pequenos encontros.
Seus filmes capturam a nostalgia de um tempo em que as pessoas se reuniam para debater, dançar e sonhar juntas, mesmo que esses sonhos muitas vezes terminassem em desilusão. Eles são um poderoso lembrete de que nossas memórias pessoais estão sempre amarradas a uma memória coletiva, e que, às vezes, um terraço em Roma ou um salão de dança podem contar a história de uma nação de forma mais íntima e verdadeira que qualquer livro de história.