De Lenin a Shakhnazarov: A evolução estética e temática do Mosfilm, da vanguarda ao cinema contemporâneo

A famosa declaração de Lenin de que o cinema era a mais importante das artes não foi apenas uma frase de efeito, foi a certidão de nascimento do Mosfilm.

Nenhum outro estúdio no mundo esteve tão intrinsecamente ligado ao projeto de uma nação, servindo por um século como seu espelho, seu martelo e seu confessionário. Acompanhar a trajetória do Mosfilm é acompanhar as convulsões da própria alma russa, desde a utopia febril da Revolução, com sua vanguarda estética radical, até a busca por uma nova identidade nacional no cinema contemporâneo de Karen Shakhnazarov. Nós vemos um colosso que aprendeu a mudar de rosto para sobreviver, refletindo a evolução de um país em sua busca incessante por uma imagem de si mesmo.

No início, o Mosfilm foi a forja da Revolução. Nas mãos de Sergei Eisenstein, o cinema se tornou uma arma de propaganda e uma forma de arte inteiramente nova. Em obras como “O Encouraçado Potemkin” (1925), nós somos submetidos a uma estética de choque e colisão. A montagem não servia apenas para contar uma história, mas para gerar ideias e emoções na mente do espectador, para forjar uma nova consciência coletiva. O herói não era um indivíduo, mas as massas, e a câmera celebrava a energia da insurreição com uma força que o mundo nunca tinha visto. Era um cinema que acreditava poder inventar um novo futuro e, para isso, precisava inventar uma nova maneira de ver.

Essa liberdade experimental, contudo, foi brutalmente contida pela ascensão do Realismo Socialista.

O estúdio que revelou a vanguarda foi o mesmo que a enterrou sob uma estética monumental e conservadora, produzindo épicos que glorificavam o Estado e seus líderes. Décadas mais tarde, no entanto, foi dentro dos mesmos muros da Mosfilm que uma rebelião silenciosa e profunda aconteceu. A câmera de Andrei Tarkovsky se recusou a olhar para o coletivo e se voltou para a paisagem da alma. Seus filmes, como “Solaris” (1972) e “O Espelho” (1974), substituíram a montagem rápida de Eisenstein por longos e hipnóticos planos-sequência, trocando a certeza política pela busca espiritual. Nós fomos convidados a uma jornada interior, um sussurro metafísico que desafiava a ortodoxia materialista do regime.

Com o colapso da União Soviética, o Mosfilm enfrentou o risco da irrelevância, apenas para se reinventar sob a longa direção de Karen Shakhnazarov.

O estúdio entrou na era do cinema de mercado, mas sem jamais abandonar seu papel como principal narrador da nação. O cinema russo contemporâneo produzido ali é um híbrido fascinante. Nós vemos em filmes como “Tigre Branco” (2012), dirigido pelo próprio Shakhnazarov, a grandiosidade dos épicos soviéticos aliada à tecnologia de Hollywood, mas a serviço de uma nova mitologia. A Segunda Guerra Mundial, por exemplo, é retratada não apenas como um conflito histórico, mas como uma batalha mística e eterna da alma russa contra o mal absoluto.

A trajetória está completa: o Mosfilm nasceu de um decreto para servir a uma ideologia, e hoje, em um mundo capitalista, continua a servir ao projeto de poder do Estado russo. A vanguarda que buscava a revolução universal deu lugar a um espetáculo que busca a consolidação de uma identidade nacional forte e orgulhosa.

De Lenin a Shakhnazarov, o estúdio mudou suas ferramentas, suas estéticas e seus temas, mas sua função primordial, a de projetar a imagem da Rússia para o mundo e para si mesma, permanece intacta. A mais importante das artes continua sendo o mais poderoso dos instrumentos.

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