Imagine a Itália depois da Segunda Guerra Mundial. Um país que era pobre, rural e, de repente, nos anos 50 e 60, começa a crescer muito rápido. É o chamado “milagre econômico”. De repente surgem fábricas, carros Fiat para todos os lados, Vespas zunindo pelas ruas e a TV se torna o novo membro da família.
Parece ótimo, né? Mas lembremos que toda mudança rápida traz consigo alguns problemas. Pessoas saíam do campo para tentar a vida em cidades que não estavam preparadas para recebê-las, a obsessão por dinheiro e por “parecer” moderno começou a tomar conta de tudo. Os valores antigos se perdiam e uma nova malandragem surgia para tentar se dar bem a qualquer custo.
Foi exatamente para falar sobre isso que nasceu a Commedia all’italiana (a Comédia à Italiana). Mas não era uma comédia de gargalhada fácil. Era um tipo de humor especial, conhecido como riso amargo.
Sabe quando você ri de uma situação que é tão absurda que chega a ser triste? Isso é o riso amargo. Os filmes desse gênero faziam exatamente isso: eles te faziam rir dos defeitos, das falhas e das pequenas tragédias do italiano comum, mas no fundo deixavam um gosto amargo, uma sensação de que havia algo muito errado ali.
A comédia era a isca. Você ria dos personagens, se identificava com as suas tentativas atrapalhadas de se dar bem e, quando você menos esperava, o filme te dava um soco no estômago, mostrando a crítica social por trás da piada.
Eu separei três exemplos pra entendermos melhor
- “Os Eternos Desconhecidos” (1958), de Mario Monicelli: Considerado um dos primeiros filmes do gênero. Conta a história de um grupo de ladrões de quinta categoria que planeja um grande roubo, mas tudo o que podia dar errado, dava. É hilário ver a incompetência deles, mas o riso é amargo porque percebemos o desespero e a pobreza que os levaram até ali. Eles não são gênios do crime, são apenas pobres coitados tentando escapar da miséria.
- “Divórcio à Italiana” (1961), de Pietro Germi: Naquela época, o divórcio era ilegal na Itália. O filme conta a história de um barão (Marcello Mastroianni) que está louco para se livrar da esposa para ficar com a prima mais nova. Ele então bola um plano absurdo: incentivar a esposa a ter um amante, para que ele possa pegá-la no flagra e matá-la, cometendo um “crime de honra”, que na época dava uma pena de prisão como se tivesse roubado um pão na padaria. Nós rimos do plano ridículo e das neuroses do personagem, mas o riso é amargo porque a piada é sobre uma lei real, machista e atrasada.
- “Aquele que Sabe Viver” (1962), de Dino Risi: Um quarentão extrovertido e fanfarrão (Vittorio Gassman) convida um jovem estudante tímido para uma viagem de carro de dois dias pela costa da Itália. O filme é divertido, cheio de vida e celebra a nova Itália motorizada. Mas, aos poucos, percebemos que o personagem principal é superficial, irresponsável e vazio. A comédia critica sutilmente o novo estilo de vida focado apenas em aparências e prazer imediato. O final, que é chocante e trágico, é o “amargo” na sua forma mais pura, deixando o espectador sem palavras.
A Comédia à Italiana foi uma ferramenta poderosa porque conseguiu criticar os problemas da sociedade sem parecer um sermão pedante. Ela disfarçava suas críticas em histórias de gente comum, mostrando os novos monstros da sociedade moderna: o egoísmo, o consumismo, a corrupção e a perda de valores.
Foi o espelho de uma Itália que estava feliz com o progresso, mas também um pouco assustada e perdida com a velocidade das mudanças. Ao rir de si mesma, de suas próprias falhas e contradições, a Itália encontrou uma forma inteligente e inesquecível de pensar sobre quem ela estava se tornando.