“Cinema Paradiso”: A Cabine da Memória e o amor como projeção

Existem filmes que nós simplesmente assistimos. E existe “Cinema Paradiso”, um filme que nós sentimos.

Sou suspeito para falar a respeito, dado que é o meu filme favorito, mas é mais do que uma história. É uma explosão de saudade, uma carta de amor à magia do cinema e uma reflexão sobre como as nossas memórias e nossos amores são moldados pelas histórias que vemos na tela.

O filme nos leva a um pequeno vilarejo na Sicília, logo depois da guerra, onde a única janela para o mundo, a única fuga da realidade dura, era a tela do “Cinema Paradiso”. É lá que se desenrolam as duas grandes ideias do filme: a cabine do cinema como um baú de memórias e o amor como uma projeção dos nossos sonhos.

O coração do filme não é a sala de cinema, mas a pequena e apertada cabine de projeção. Para o menino Totò, aquele lugar era o centro do universo. Ali, o seu melhor amigo e figura paterna, Alfredo, o projecionista, operava a “mágica”.

Essa cabine é a grande metáfora do filme:

Alfredo não era só um funcionário, mas o feiticeiro que controlava a luz, as sombras e as emoções de toda a cidade. A partir daquela pequena janela, ele projetava beijos, aventuras e dramas que alimentavam a alma dos moradores. Foi ali, entre rolos de filme e o barulho do projetor, que Totò aprendeu sobre o mundo. Ele não apenas via os filmes, ele os vivia. Cada cena cortada pela censura do padre, cada rosto de um astro de Hollywood, cada suspiro da plateia formou o seu caráter e a sua visão de mundo.

O filme inteiro é um grande flashback. Totò, já um cineasta famoso, volta no tempo em sua própria mente. A cabine de projeção do Cinema Paradiso é, na verdade, a sua própria memória, o lugar quentinho e barulhento onde as lembranças mais importantes de sua vida foram “filmadas” e guardadas.

Quando Totò se apaixona pela primeira vez, pela bela Elena, o cinema continua sendo o palco principal. O amor dele é, literal e metaforicamente, uma projeção. O romance deles acontece sob a luz do projetor. Ele a vê pela primeira vez no cinema, a corteja com referências de filmes e vive seu amor tendo o cinema como cenário. A vida imita a arte.

Mais profundamente, a ideia que Totò tem do amor foi construída a partir dos beijos perfeitos e dos finais felizes que ele viu na tela. Ele projeta em Elena o ideal da heroína romântica. Ele não quer apenas amar, ele quer viver um amor de cinema, com toda a sua intensidade e drama.

É aqui que entra a sabedoria amarga de Alfredo com a frase mais importante do filme: “A vida não é como no cinema. A vida é muito mais difícil.” Alfredo sabe que, para Totò ter uma vida real, ele precisa sair daquela “projeção” maravilhosa que é o vilarejo. Ele o força a partir, a abandonar as memórias e o amor idealizado para encontrar a sua própria história no mundo real, mesmo que seja mais dura.

A cena final de “Cinema Paradiso” é uma das mais emocionantes da história do cinema. Totò, de volta ao cinema agora abandonado, recebe um último presente de Alfredo: um rolo de filme.

No escuro de uma sala moderna, ele assiste à projeção. E o que há na tela? Todos os beijos que o padre mandou Alfredo cortar dos filmes durante décadas. É uma montagem ininterrupta de puro amor, de toda a paixão que foi censurada mas nunca esquecida.

Nesse momento, Totò não está apenas vendo cenas de filmes antigos. Ele está vendo a projeção de sua própria vida: o amor de Alfredo, de Elena e sua paixão pelo cinema.

Enquanto ele chora e sorri, entendemos que “Cinema Paradiso” é sobre todos nós. Todos temos uma “cabine de memória” onde guardamos os momentos que nos formaram. E todos nós, em algum momento, já projetamos nos outros o amor que aprendemos a sonhar vendo filmes.

É uma carta de amor imortal àquela luz mágica que, saindo de uma pequena cabine, é capaz de iluminar toda a nossa vida.

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