“Cidade de Deus” reescreveu o Cinema de Ação e revelou o Brasil ao mundo

Segura a galinha!

Com essa cena de abertura caótica, vibrante e cheia de uma energia que saltava da tela, “Cidade de Deus” (2002) se apresentou ao mundo. O filme de Fernando Meirelles e Kátia Lund não pedia licença; ele arrombava a porta. Era um filme de ação que não se parecia com nada que Hollywood já tinha feito e um drama social que não tinha medo de ser pop. Foi um fenômeno que não apenas redefiniu um gênero, mas também apresentou ao planeta um Brasil brutal, complexo e inesquecível, muito longe dos cartões-postais.

Antes de “Cidade de Deus”, o cinema de ação seguia uma fórmula muitas vezes previsível, com heróis musculosos e tiroteios coreografados. O filme brasileiro rasgou essa receita. A sua linguagem era a do videoclipe, com uma edição frenética, uma câmera na mão que tremia junto com os personagens, cores vibrantes que faziam o sol do Rio de Janeiro quase queimar nossos olhos e uma montagem que pulava no tempo sem pedir desculpas.

A violência aqui não era bonita ou estilizada, mas suja, desesperada e assustadoramente real. Essa sensação de verdade vinha também da escolha genial de usar, em sua maioria, atores não profissionais, moradores das próprias comunidades, que traziam para seus papéis uma autenticidade que dinheiro nenhum pode comprar.

A história é contada pelos olhos de Buscapé, o garoto que está no meio do furacão, mas se recusa a ser parte dele. Sua arma não é um revólver, é uma câmera fotográfica. Ele é o nosso guia nesse inferno, e seu lema, “Corra!”, é a regra de sobrevivência número um. Nós corremos com ele para fugir das balas, para escapar da vida do crime, para buscar um sonho.

Através de seu olhar, conhecemos as figuras que marcaram a favela por décadas: o aterrorizante Zé Pequeno, que não é um vilão de cinema, mas a personificação da maldade pura, um sociopata que mata por prazer; e o trágico Mané Galinha, o homem bom que é arrastado para a guerra e consumido pelo desejo de vingança. O filme nos mostra que, naquele lugar, o ciclo de violência engole a todos, e a linha entre o bem e o mal é uma fumaça no ar.

O impacto de “Cidade de Deus” foi global e imediato. Para milhões de pessoas ao redor do mundo, a imagem do Brasil era feita de carnaval, futebol e praias paradisíacas. O filme estilhaçou esse clichê. Ele revelou as veias abertas da desigualdade social brasileira, a realidade da guerra do tráfico e a ausência do Estado nas periferias. Mas seu grande trunfo foi fazer isso sem nunca perder a humanidade de seus personagens.

Não era apenas um filme sobre desgraça, mas sobre vida, amizade, primeiro amor, sonhos e a luta para sobreviver em um lugar onde a morte está sempre na espreita. O mundo não viu apenas bandidos. Viu crianças, viu pessoas.

Com quatro indicações ao Oscar e aclamação universal, “Cidade de Deus” colocou o cinema brasileiro no centro do palco mundial e influenciou uma geração de diretores com seu estilo e energia. É um épico social contado com a velocidade de um thriller, um filme que prova que uma história nascida na favela pode ser tão universal quanto uma tragédia de Shakespeare.

O clique final da câmera de Buscapé não foi apenas a foto que o salvou. Foi o som de um novo Brasil sendo revelado ao mundo, com toda a sua dor, sua beleza e sua fúria inesquecível.

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