Almodóvar, gazpacho e o telefone que não toca

Uma mulher que dubla filmes românticos vê sua própria vida amorosa desmoronar através da frieza de uma mensagem na secretária eletrônica.

Esta é a ironia central que move “Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” (1988), uma obra onde Pedro Almodóvar nos joga diretamente no olho do furacão da paixão desfeita, mostrando que o romantismo, quando levado ao extremo, se parece menos com um sonho e mais com uma farsa caótica e desesperada. O filme inteiro é a crônica de uma espera, a tentativa febril de Pepa em conseguir um último encontro, uma explicação final de Iván, o amante que desaparece e se torna um fantasma onipresente, e nessa busca nós somos arrastados para a comédia mais dolorosa que se pode imaginar sobre o fim de um amor.

O apartamento de Pepa transforma-se no epicentro onde todos os tipos de desastres românticos colidem, provando que sua dor não é única, mas parte de uma condição feminina universal diante da covardia masculina. O enredo avança não por lógica, mas por uma sucessão de interrupções e acidentes, desde a amiga Candela, que busca refúgio após se envolver romanticamente com um terrorista, até o filho de Iván, Carlos, que aparece com sua noiva esnobe, Marisa, para alugar o apartamento que Pepa mal consegue deixar. O que nós vemos é como a vida de Pepa é invadida, e cada nova personagem que entra pela porta traz consigo sua própria bagagem de fracasso afetivo, criando um espelho multifacetado do sofrimento da protagonista, onde o telefone, símbolo da conexão romântica, torna-se o principal vilão que se recusa a entregar a voz do amado.

O filme inteiro é construído sobre a ausência de Iván, o arquétipo do sedutor que só existe como uma voz aveludada, uma promessa vazia que deixa um rastro de destruição emocional. Almodóvar é cirúrgico ao desmontar a figura do amante romântico, pois Iván é, na verdade, um covarde que foge de todas as suas responsabilidades, seja com Pepa, com sua ex-mulher Lucía, ou com o próprio filho. O romantismo aqui é exposto como uma doença, uma obsessão que leva Lucía à loucura literal, esperando por ele por décadas após ser abandonada, e que quase consome Pepa em sua caçada por respostas. Nós assistimos a uma luta desesperada não pelo amor em si, mas pela dignidade de ter um encerramento, de poder olhar nos olhos de quem partiu.

A famosa cena do gazpacho batizado com soníferos é o ponto de virada onde o desespero romântico se transforma em ação, ainda que completamente imprudente. É a comédia física substituindo o choro, a tentativa de Pepa de colocar ordem no caos anestesiando temporariamente todos ao redor, incluindo os policiais que investigam sua amiga. O clímax no aeroporto, com Lucía armada e pronta para matar Iván, é a explosão final desse romantismo doentio, a paixão transformada em fúria homicida. Pepa, ao salvar o homem que a destruiu, não o faz por amor, mas por um senso de justiça final, um ato que finalmente a liberta da espera e da obsessão que a definiram durante todo o filme.

O que a Academia de Hollywood viu, talvez pela primeira vez de forma tão clara na obra do diretor, foi a precisão desse caos meticulosamente controlado. Almodóvar pega o gênero do “melodrama de mulher”, muitas vezes relegado ao segundo escalão, e o injeta com uma irreverência punk e uma paleta de cores pop que o elevam. A indicação ao Oscar não foi um prêmio apenas para a Espanha ou para uma comédia excêntrica, mas sim um reconhecimento de que Almodóvar havia criado uma linguagem universal, uma forma de usar a superfície artificial do cinema para falar sobre as verdades mais profundas da solidão, do abandono e da resiliência feminina no mundo contemporâneo.

No final, o que Almodóvar nos mostra é que a cura para o desastre romântico não está em um novo amor ou no retorno do antigo, mas no próprio esgotamento da obsessão. A calma que encontramos em Pepa no terraço, naquela cena final onde ela finalmente revela sua gravidez e conversa com Marisa, não é a paz de um amor resolvido, mas sim a tranquilidade de quem atravessou o fogo e sobreviveu ao colapso.

“Mulheres à Beira de um Ataque de Nervos” usa o enredo de uma busca romântica obsessiva para nos dizer que, no fim das contas, a única liberdade verdadeira nasce no momento em que a espera finalmente acaba e o futuro, pela primeira vez, pertence apenas a nós mesmos.

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