Imagine um duelo de faroeste. O sol forte, a poeira, os pistoleiros se encarando… O silêncio é quase total. Mas então, você ouve um assobio solitário, o som de um sino distante, o toque de uma guitarra elétrica. De repente, a cena não é mais sobre quem saca a arma mais rápido. É sobre destino, honra e morte. Essa mágica tem nome e sobrenome: Sergio Leone e Ennio Morricone.
Nos clássicos Westerns Spaghetti dos anos 60, como a Trilogia dos Dólares (“Por um Punhado de Dólares”, 1964; “Por uns Dólares a Mais”, 1965; e “Três Homens em Conflito”, 1966), o diretor Leone e o compositor Morricone revolucionaram o cinema. Eles pegaram o faroeste americano, que tinha uma música heróica e orquestrada, e o transformaram em uma ópera suja, estilizada e inesquecível. E o segredo deles foi simples: tratar a trilha sonora como um personagem principal.
Os heróis de Sergio Leone, especialmente o “Pistoleiro Sem Nome”, interpretado por Clint Eastwood, são famosos por serem calados. Eles quase não falam e seus rostos são como máscaras de pedra. Como saber o que eles estão pensando ou sentindo? A resposta está na música de Morricone.
O assobio melancólico, a flauta solitária ou o som da guitarra são a voz interior do personagem. A música nos conta sobre sua solidão, seu perigo iminente ou sua determinação implacável. Sem a trilha sonora, Clint Eastwood seria apenas um homem calado. Com ela, ele se torna um mito.
Morricone foi um gênio em criar uma identidade sonora para cada personagem, como se a música fosse o seu cartão de visitas. O melhor exemplo disso é “Três Homens em Conflito”: O bom, tendo sua chegada é anunciada por uma flauta suave, quase como um som angelical no meio do inferno; O mau, tendo sua tema é um som gutural de duas notas, que soa como um grito de coiote ou um presságio da morte. É a assinatura do predador; e o feio, que seu tema é o mais humano e cômico, refletindo sua personalidade astuta e imprevisível.
Você não precisa ver os personagens na tela. Ao ouvir a música você já sabe quem está em cena, quem está chegando ou em quem a história está focada. A música os apresenta e os define. Descobri que na maioria dos filmes a música é composta depois que as cenas são filmadas, para se encaixar nas imagens. Leone e Morricone inverteram esse processo e isto faz todo o sentido no processo criativo.
Morricone criava os temas principais apenas lendo o roteiro. Leone então ia para o set de filmagem e tocava a música em alto-falantes durante as gravações. Os atores usavam a música para encontrar o ritmo da cena, o tempo certo para um olhar, para um passo, para sacar a arma. As cenas, especialmente os longos e tensos duelos, eram coreografadas de acordo com a trilha sonora.
Isso prova que a música não era um enfeite, mas a fundação sobre a qual as cenas eram construídas. Era a espinha dorsal do filme.
A prova final dessa parceria é o icônico duelo de três homens no final de “Três Homens em Conflito”. A cena dura mais de cinco minutos, com pouquíssima ação. São apenas homens se encarando, com closes extremos nos olhos. O que a torna uma das maiores cenas da história do cinema é a música. A faixa “The Trio” começa devagar, com a tensão crescendo a cada nota da guitarra, do piano, das trombetas, até explodir em um clímax operístico.
Sem a música, seria uma cena longa e parada. Com a música, ela se torna uma ópera sobre a ganância, a tensão e o destino.
Leone nos deu a imagem inesquecível do Velho Oeste: os rostos suados, os olhos cerrados, as paisagens áridas. E Ennio Morricone quem nos deu a alma desse mundo. A parceria deles é a prova definitiva de que, no cinema, o som pode ser tão poderoso quanto a imagem.