O cinema brasileiro tem nos mostrado que o pedestal do homem inabalável está rachando.
Por décadas, nós nos acostumamos a ver nas telas a representação de uma masculinidade monolítica, forjada na força, no silêncio e no controle, seja na figura do sertanejo resiliente, do malandro astuto ou do provedor austero. Contudo, uma nova safra de filmes vem registrando com uma honestidade brutal o desmoronamento dessa estátua.
A crise da masculinidade que reverbera em nossa sociedade encontra no cinema um espelho poderoso, que reflete não a figura de um novo homem já pronto, mas o processo doloroso e confuso de sua desconstrução. Nós estamos testemunhando o eco do grito de homens que não sabem mais qual papel devem desempenhar.
O ponto de implosão desse modelo antigo talvez seja o Capitão Nascimento de “Tropa de Elite” (2007). Ele é o arquétipo do macho levado às últimas consequências, um homem que transforma o próprio corpo e a própria psique em uma arma para sobreviver a um sistema corrupto. Nós o vemos operar com uma eficiência assustadora, mas o filme é genial ao nos mostrar o preço dessa armadura. Cada ato de violência, cada supressão de sentimento, o afasta de sua família e de sua própria humanidade. Nascimento vence a guerra nas ruas, mas perde a guerra dentro de si. Ele é um pai ausente, um marido incapaz de conexão, um homem em frangalhos. Sua figura trágica representa o beco sem saída de uma masculinidade que exige a anulação do afeto e da vulnerabilidade.
Se Nascimento é a explosão, outros filmes exploram as ruínas.
Em “Que Horas Ela Volta?” (2015), nós encontramos em Carlos a figura do patriarca decadente. Ele vaga pela própria casa como um fantasma, um artista frustrado cuja autoridade foi corroída pela independência financeira da esposa. Sua tentativa de seduzir a filha da empregada não é um ato de poder, mas de desespero, um esforço patético para reafirmar uma virilidade que ele não possui mais. Ele não é um monstro, é um homem perdido, fragilizado pela perda de um lugar de poder que ele nunca soube como substituir por um de parceria. Nós o observamos e vemos o retrato de uma geração de homens que não são mais os provedores incontestáveis e que se veem sem um roteiro para seguir.
É nesse terreno de incertezas que surgem as novas representações, como a do pai em “Marte Um” (2022). Wellington é um homem comum, um porteiro cujo sonho para o filho é o futebol, um dos últimos redutos da masculinidade tradicional. Quando seu filho revela que seu verdadeiro sonho é estudar astrofísica e colonizar Marte, o mundo de Wellington desaba. Sua jornada no filme é a da aceitação. Ele precisa desmontar a imagem do homem que ele achava que deveria ser, e do filho que ele projetou, para aprender a amar o homem que ele é e o filho que ele realmente tem. Sua fragilidade, expressa em seu choro sincero e em seu abraço final, não é um sinal de fraqueza. É, na verdade, um ato de imensa força, a força necessária para se reinventar.
O cinema brasileiro, portanto, não está apenas filmando homens, está nos convidando a repensá-los.
A câmera, que antes glorificava a ação e a fúria, agora busca os detalhes, os olhares vacilantes, os silêncios que não são de força, mas de dúvida. Nós estamos vendo em tempo real a transição de um cinema de afirmação masculina para um cinema de questionamento. Essa crise, tão visível nas telas, reflete a nossa própria.
É um processo de luto pelo homem que fomos ensinados a ser e uma busca ansiosa e fundamental pelo homem que nós podemos nos tornar.